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Fadados, como qualquer outro cidadão do mundo, a dar sentido ao sem sentido do viver, os brasilienses têm um ofício a mais: dar sentido a uma cidade que se escreve com as letras do poder. Estranha Brasília dos três poderes instituídos e que, por isso mesmo, dadas as quase insuportáveis circunstâncias, é uma cidade por quem os brasileiros cultivam uma certa antipatia. Não há um dia em que algum formador de opinião não manifeste publicamente seu desapreço pela cidade, como se a Esplanada dos Ministérios fosse ela e somente ela Brasília.
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É por isso que blogs como esse são um encanto são um encanto aos olhos e um descanso à alma cansada dos brasilienses confundidos com a turma que aqui se hospeda de terça a quinta. A dona/autora do blog, Usha Velasco, tem a companhia inseparável de uma máquina fotográfica e de um olhar docemente sensível. Sai fotografando imagens que o olho cansado da rotina passa por cima e não vê.É então que se vê, como no post de 1º de outubro último, uma foto de fazer doutor Lúcio Costa chorar (ou se orgulhar ou se embevecer). Usha fotografou a calçada de uma superquadra da Asa Sul, a sombra das árvores maduras e o chão salpicado de folhas secas. Muitas árvores, um bosque, um privilégio.
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A blogueira adora banquinhos das superquadras (muito poucos, infelizmente). São bem feinhos, eles. Mas o enquadramento poético da foto os transforma num chamamento ao descanso. Dia desses, Usha visitou (e fotografou) os blocos da 410 sul, os JKs, aqueles sem pilotis, construídos assim para serem mais acessíveis aos brasilienses. Já foram mais feinhos e sujos, mas aos poucos estão sendo reabilitados pelos moradores. A blogueira morou neles quando criança. “Eu achava lindo até os ratos, que, naquela época, não eram esses camundongozinhos que a gente vê hoje em dia. Eram ratazanas do tamanho de um gato adulto, e infestavam a cidade inteira. Quem morou em Brasília nos anos 70 com certeza se lembra.”
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Com o olhar atento para a obra de arte que é a cidade que a gente mora, Usha captura retalhos da arquitetura de Niemeyer. No dia 16 de agosto, postou a foto da coroa da Catedral ao lado do pedestal. Só o topo dos dois, visto da pista interna. Ver a foto dá uma sensação inebriante de “nossa, é a minha cidade!”. Cada post, uma outra Brasília, que pertence a quem nela vive e dela gosta e respeita, cuida e admira. Desde a arquitetura moderna até a interferência dos grafiteiros anônimos, como os que pintaram dois pontos de ônibus na L2, na passagem da Asa Norte para a Asa Sul. Num deles, a imagem de um homem de terno, óculos escuros e a inscrição: “Políticos de barro têm colarinho branco”.
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Usha Velasco segue em suas reminiscências fotográficas pela Brasília de sua infância e pela Brasília de hoje, muito menos institucional, poderosa (e podre) do que imaginam os que a vêem pelos olhos das imagens da tevê e das notícias dos jornais e dos sites e blogs. O blog da Usha diz assim: “Uma outra Brasília (a minha)”.
Outro dia fui à Caixa Cultural para uma visita guiada pelo German Lorca. Ele fotografa há 60 anos. Aprendeu a usar a digita e está adorando o Photoshop segundo ele. Mas o que me chamou a atenção foi a relação de paternidade com cada foto. Cada uma das que estavam na exposição, tinha uma história.
ResponderExcluirHá, os ipês da primeira foto devem estar florando já. É época de ipês brancos. :)
ResponderExcluirNão eram ipês não, eram paineiras, as barrigudas... Será que ainda existem? Mania desse povo cortar árvores, fico tão revoltada...
ResponderExcluirSempre fará sentido. O digital tem uma beleza asséptica. O negativo tem uma textura viva, olorosa.
ResponderExcluirMe lembro bem dessas Usha, lá em casa tem uma bem especial... Autênticas como você!
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