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Usha Velasco
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Diz a sabedoria popular que gosto não se discute. Mas é o que boa parte dos brasilienses tem feito desde janeiro, quando o artista plástico Galeno começou a pintar o interior da Igrejinha Nossa Senhora de Fátima. Na boca dos frequentadores habituais do templo, a polêmica esquivou-se de questões maiores -- que passam por história, arte, linguagem e patrimônio -- e reduziu-se à simples oposição entre o “gostei” e o “não gostei”.
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Que alguns fiéis não gostem da pintura de Galeno é compreensível, embora lamentável. Lamentável pelos próprios argumentos que eles apresentam: a obra não “inspira piedade”, é “para clube, para salão de festa”, lembra uma “escola de samba”, “não tem nada a ver com a nossa religião”. Parece persistir aí um apego aos ícones cristãos que evocam sacrifício, dor e martírio, e um consequente repúdio à linguagem viva e colorida do artista. Triste, não? Será que a fé precisa ser incompatível com a alegria?
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Porém, que esses mesmos frequentadores queiram eliminar a nova pintura é não só lamentável como inaceitável. Eles esquecem que a Igrejinha é um patrimônio não só da vizinhança, mas de todos os brasilienses e de toda a humanidade -- tombada pela Unesco junto com Brasília. Esquecem, também, que a obra em cores vivas não é um capricho qualquer do artista: nasceu de um projeto de restauração cuidadosamente estudado. E esquecem, finalmente, que a pintura de Galeno foi encomendada para repor um tesouro roubado à Igrejinha: os painéis de Volpi, destruídos em 1962 por iniciativa do pároco e de algumas senhoras.
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Esses painéis -- que junto com a arquitetura de Niemeyer, os azulejos de Athos Bulcão e o paisagismo de Burle Marx compunham o tesouro modernista do templo -- foram completamente raspados da parede, impossibilitando o restauro. Galeno foi convidado para recompor a ambientação criada por Volpi, e, segundo o arquiteto responsável, obedeceu a todas as exigências do projeto de restauro: o mesmo fundo azul cobalto original; a mesma centralização de Nossa Senhora na parede frontal, ladeada por dois elementos simétricos; e os elementos relacionados à santa e às crianças de Fátima cobrindo os painéis laterais.
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Pacientemente, o artista mudou três vezes a imagem da santa, na tentativa de agradar a alguns fiéis que preferiam uma imagem figurativa à linguagem abstrata. Não adiantou. Parece que eles querem uma igreja tradicional -- e rejeitam, assim, a estética e a história da cidade.
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Opiniões e gostos à parte, quem ainda não viu a nova pintura precisa ver. Sentar-se num dos bancos da Igrejinha e deixar-se envolver pelo profundo azul cobalto de Volpi e de Galeno. Abrir espaço para a tolerância e quem sabe pegar carona na fé colorida do artista, nascido em 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima, e por isso batizado de Francisco Galeno de Fátima.
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