domingo, 29 de março de 2009
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Fadados, como qualquer outro cidadão do mundo, a dar sentido ao sem sentido do viver, os brasilienses têm um ofício a mais: dar sentido a uma cidade que se escreve com as letras do poder. Estranha Brasília dos três poderes instituídos e que, por isso mesmo, dadas as quase insuportáveis circunstâncias, é uma cidade por quem os brasileiros cultivam uma certa antipatia. Não há um dia em que algum formador de opinião não manifeste publicamente seu desapreço pela cidade, como se a Esplanada dos Ministérios fosse ela e somente ela Brasília.
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É por isso que blogs como esse são um encanto são um encanto aos olhos e um descanso à alma cansada dos brasilienses confundidos com a turma que aqui se hospeda de terça a quinta. A dona/autora do blog, Usha Velasco, tem a companhia inseparável de uma máquina fotográfica e de um olhar docemente sensível. Sai fotografando imagens que o olho cansado da rotina passa por cima e não vê.É então que se vê, como no post de 1º de outubro último, uma foto de fazer doutor Lúcio Costa chorar (ou se orgulhar ou se embevecer). Usha fotografou a calçada de uma superquadra da Asa Sul, a sombra das árvores maduras e o chão salpicado de folhas secas. Muitas árvores, um bosque, um privilégio.
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A blogueira adora banquinhos das superquadras (muito poucos, infelizmente). São bem feinhos, eles. Mas o enquadramento poético da foto os transforma num chamamento ao descanso. Dia desses, Usha visitou (e fotografou) os blocos da 410 sul, os JKs, aqueles sem pilotis, construídos assim para serem mais acessíveis aos brasilienses. Já foram mais feinhos e sujos, mas aos poucos estão sendo reabilitados pelos moradores. A blogueira morou neles quando criança. “Eu achava lindo até os ratos, que, naquela época, não eram esses camundongozinhos que a gente vê hoje em dia. Eram ratazanas do tamanho de um gato adulto, e infestavam a cidade inteira. Quem morou em Brasília nos anos 70 com certeza se lembra.”
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Com o olhar atento para a obra de arte que é a cidade que a gente mora, Usha captura retalhos da arquitetura de Niemeyer. No dia 16 de agosto, postou a foto da coroa da Catedral ao lado do pedestal. Só o topo dos dois, visto da pista interna. Ver a foto dá uma sensação inebriante de “nossa, é a minha cidade!”. Cada post, uma outra Brasília, que pertence a quem nela vive e dela gosta e respeita, cuida e admira. Desde a arquitetura moderna até a interferência dos grafiteiros anônimos, como os que pintaram dois pontos de ônibus na L2, na passagem da Asa Norte para a Asa Sul. Num deles, a imagem de um homem de terno, óculos escuros e a inscrição: “Políticos de barro têm colarinho branco”.
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Usha Velasco segue em suas reminiscências fotográficas pela Brasília de sua infância e pela Brasília de hoje, muito menos institucional, poderosa (e podre) do que imaginam os que a vêem pelos olhos das imagens da tevê e das notícias dos jornais e dos sites e blogs. O blog da Usha diz assim: “Uma outra Brasília (a minha)”.
Muito gracinha!
ResponderExcluirGosto muito dessa dimensão onírica que nos hipnotiza o olhar.
Ushíssima !
ResponderExcluirAcabo de salvar esta sua foto na minha pastinha do Win : "Fotos_de_amigos" .
Linda foto! Composição e contraste primorosos. Sem falar no detalhe das florzinhas salpicando toda a imagem. Rinaldo bem resumiu: a dimensão onírica hipnotiza .
Lembrei, a propósito, de uma tentativa de "colóquio fotográfico" sobre, exatamente, este tema. Vou ver se consigo empolgar o Rinaldo =)
Beijos, caros !
Usha, obrigado pela sua manifestação no blog do f/508 sobre minha fotografia. Nós temos algumas fixações em comum como Manoel de Barros, sombras e banquinhos.
ResponderExcluirAbraço
Puxa, um colóquio fotográfico sobre a dimensão onírica que nos hipnotiza é, como diria o próprio Rinaldo Morelli, petulante!!! Quem vai encarar?
ResponderExcluirPetulante no bom sentido, viu, Adriana, ó encucada...
ResponderExcluirAntonio, ter uma foto sua no meu blog está se tornando um sonho de consumo... Bjs! E obrigada pela visita.
ResponderExcluirÉ, Usha. Às vezes encuco sim. Ainda bem, acho. Já pensou ser petulante e completamente sem noção? Auto-crítica sempre pega bem. Quer dizer, sem excessos. Se não, acaba-se fazendo o que eu fiz por muito tempo: exigindo-me demais -- muito "auto-crivo" -- e fazendo de menos . Auto-crítica bem dosada também é bom para que não se caia na tal da esparrela da indolência intelectual (isso, sim, coisa pra se temer) .
ResponderExcluirUsha, meu modo de me expressar nesses fóruns, às vezes assusta, reconheço. Alguns talvez julguem -- parafraseio Cazuza -- que a mordacidade é uma tentação que a minha vaidade quer. Não. Apenas uma tentação. Ou, antes, como escrevi-lhe ontem, sobre aquele contato que achei mesmo fofo : o meu ser cáustica expressa-se, às vezes, naturalmente, sem deliberação.
E, menina, há que se ter um bocado de preparo para a petulância. Tem hora que cansa, viu ? Sobretudo, naqueles dias em que a gente tá no cume da sensibilidade e chora até vendo filme de bichinho no Telecine Pipoca .
Ontem, no Pictura, triscou-se no assunto do quanto a Internet pode ser enganadora. Daria muito mais pano. A Internet engana, sim. Cadê o tom de voz para dar a medida do que queremos, de fato, dizer ? Lendo-me na rede já houve quem pensasse que eu era uma mulher enorme, agressiva, desibinidíssima. 3 vezes não .
Bem, acho que volto mais tarde. O sono bateu .
Bjs
Adriana
http://blogs.abril.com.br/adrianapaiva
P.S.: (Chance mínima de o coro dos descontentes um dia voltar a cantar ?)