quarta-feira, 25 de julho de 2007

recortemos nossa imagem



Um grafite melancólico na 111/112 norte. Sou fã dos artistas de rua. Esse cara, que não sei quem é, deixou vários personagens cabisbaixos espalhados pela cidade. Gosto muito. Dedico a ele esse trecho de Drummond:


O mundo não tem sentido.
O mundo e suas canções
de timbre mais comovido
estão calados, e a fala
que de uma para outra sala
ouvimos em certo instante
é silêncio que faz eco
e que volta a ser silêncio
no negrume circundante.

Silêncio: que quer dizer?
Que diz a boca do mundo?
Meu bem, o mundo é fechado,
se não for antes vazio.
O mundo é talvez: e é só.
Talvez nem seja talvez.
O mundo não vale a pena,
mas a pena não existe.

Meu bem, façamos de conta
de sofrer e de olvidar,
de lembrar e de fruir,
de escolher nossas lembranças
e revertê-las, acaso
se lembrem demais em nós.

Façamos, meu bem, de conta
— mas a conta não existe —
que é tudo como se fosse,
ou que, se fora, não era.
Meu bem, usemos palavras.
Façamos mundos: idéias.
Deixemos o mundo aos outros
já que o querem gastar.

Meu bem, sejamos fortíssimos
— mas a força não existe —
e na mais pura mentira
do mundo que se desmente,
recortemos nossa imagem,
mais ilusória que tudo,
pois haverá maior falso
que imaginar-se alguém vivo,
como se um sonho pudesse
dar-nos o gosto do sonho?

Mas o sonho não existe.
Meu bem, assim acordados,
assim lúcidos, severos,
ou assim abandonados,
deixando-nos à deriva
levar na palma do tempo
— mas o tempo não existe,
sejamos como se fôramos
num mundo que fosse: o Mundo.


(Carlos Drummond de Andrade)

Um comentário:

  1. Penso sim que o mundo não tem sentido...às vezes penso sim.
    Este silêncio que ecoa em silêncio angustiante.
    Pergunto, entre ruidos indecifráveis e silêncios insuportáveis, se o sonho não existe...o que faço o tempo todo??
    Existo.

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