quinta-feira, 8 de abril de 2010

lugar de paina

.
.

Sobre o meu corpo se deitou a noite

(como se eu fosse um lugar de paina).

Mas eu não sou um lugar de paina.

Quando muito um lugar de espinhos.

Talvez um terreno baldio com insetos dentro.

Na verdade eu nem tenho ainda o sossego de uma pedra.

Não tenho os predicados de uma lata.

Nem sou uma pessoa sem ninguém dentro – feito um osso de gado

Ou um pé de sapato jogado no beco.

Não consegui ainda a solidão de um caixote – tipo aquele engradado de madeira que o poeta Francis Ponge fez dele um objeto de poesia.

Não sou sequer uma tapera, Senhor.

Não sou um traste que se preze.

Eu não sou digno de receber no meu corpo os orvalhos da manhã.


MANOEL DE BARROS

em Retrato do Artista Quando Coisa, Ed. Record, 1998

Nenhum comentário:

Postar um comentário