terça-feira, 4 de novembro de 2008

muitas vozes



Meu poema
é um tumulto:

a fala
que nele fala

outras vozes
arrasta em alarido.

(estamos todos nós
cheios de vozes
que o mais das vezes
mal cabem em nossa voz:

se dizes pêra
acende-se um clarão
um rastilhode tardes e açúcares

ou
se azul disseres
pode ser que se agite
o Egeu
em tuas glândulas)

A água que ouviste
num soneto de Rilke
os ínfimos
rumores de capim
o sabor
do hortelã
(essa alegria)

a boca fria
da moça

o maruim
na poça

a hemorragia
da manhã

tudo isso em ti
se deposita
e cala.

Até que de repente
um susto
ou uma ventania
(que o poema dispara)

chama
esse fósseis à fala

Meu poema
é um tumulto, um alarido:

basta apurar o ouvido.



(Ferreira Gullar)

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